De acordo com as crónicas disponíveis, foi na década de sessenta do século passado que o conceito de países emergentes iniciou a sua circulação, na área da economia, para identificar os mercados que cresciam por forma a atraírem os investimentos dos países mais ricos, pertencentes de regra ao mundo que se considerava aristocraticamente afluente, consumista, e, para a crítica, unidimensional. Daqui à noção bancária dos BRIC a evolução semântica foi rápida, e a realidade foi introduzindo na designação o Brasil, a Rússia, a Índia, a China. O Presidente Obama, sem com isso dar mostras de compreender que era o Ocidente que estava em causa, e que os EUA não podiam deixar de equacionar as suas promessas eleitorais de candidato, com a realidade desafiante da proeminência estratégica do país que iria governar, talvez já não do posto supremo de nação indispensável, teve a lucidez de declarar, ao definir a sua "estratégia de segurança nacional", que não eram apenas aqueles os países que deviam ser considerados, mas que, sem esquecer o apoio não dispensável da Europa, haveria que considerar, por exemplo, a África do Sul e a Indonésia (2010). O facto é que os representantes dos países emergentes, de definição incerta ao redor do núcleo duro identificado, visível e atuante, foram desenvolvendo uma diplomacia coletiva, que fez emergir regionalismos, na aparência formalmente aproximáveis do modelo europeu, como a ASEAN (Associação das Nações do Sudoeste Asiático), as cimeiras da Ásia do Leste, a Associação da Ásia do Sul (SAAAC), ou da Cooperação de Xangai (OCS), embora sem ainda servirem ambições globais. A análise corrente destaca, porém, o chamado IBAS, que reúne "as três principais democracias dos três principais continentes", isto é, a Índia, o Brasil, a África do Sul. A complexidade construída desde 2003 é já significativa, e parece assente o objetivo de ter uma voz ativa na reforma da governança mundial, começando por uma presença visível no Conselho de Segurança. Independentemente da avaliação mais detalhada, que é seguramente recomendável e urgente destes e de movimentos afins, há um ponto a registar, que é de reconhecerem que a ONU ainda é o lugar onde todos falam com todos, e daqui pode partir a indispensável reconstrução de uma ordem mundial nova, eficaz e ordenadora da situação caótica em que nos encontramos. Mas também parece claro que, tendo a ONU sido fundada por ocidentais, que não tinham percebido que ganhar a guerra não impedia que isso tivesse sido conseguido com definitiva perda das capacidades de hegemonia estratégica, é do seu interesse que a emergência de tais poderes não se desenvolva em conflito aos EUA e à União Europeia, isto é, a favor do aceleramento da decadência dos ocidentais. A afirmada, e pelo menos demonstrada convicção, de que o sistema das Nações Unidas terá de servir de base à reforma necessária também vem claramente acompanhada de um traço de democratização do sistema, o que significa reconhecimento de revisão da hierarquia dos Estados e dos grupos formais que também vai ser necessário reconhecer ao lado dos grandes países que manterão a presença individualizada. Designadamente, e seja qual for a reforma do Conselho de Segurança, no que toca à França e à Inglaterra, é racional que não terão o direito de veto ou o direito que for decidido, mas, sim, a Europa. O que para esta significa defender a unidade contra as ilusões que se passeiam entre recordações de um passado para esquecer, ou perder a voz que ainda tem no mundo e que este tem vantagens em conservar. Porque a crise é mundial, a chamada, ainda não feita, dos órgãos da ONU até agora ignorados também deve ter o objetivo de impedir que a sua evolução seja feita contra os ocidentais. Porque se, não obstante as palavras e todas as afirmações da igualdade dos Estados, mantiverem o princípio real da desigualdade dos Estados, são os ocidentais que estão em causa.
Fonte: Diário de Noticias
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