domingo, 22 de julho de 2012

O poder-dever de intervir por Adriano Moreira


Não é necessário insistir sobre a brutalidade da crise financeira que envolve progressivamente não apenas os ocidentais, mas o globalismo das interdependências que não deixarão imunes nenhumas das potências emergentes.
A semântica dos responsáveis que procura acalmar com análises aparentemente científicas a angústia crescente dos povos não abona a capacidade de enfrentar o desastre geral que se foi desenvolvendo à luz do saber que agora, de maneira generalizada, aponta o descontrolo do sistema financeiro, sem culpados da gestão política, financeira e estratégica que centros, ou ignorados ou não legitimados por tratados existentes, parecem comandar com imunidade mundial.
Não há muitos dias, uma alta responsável, neste caso de instituição legalmente instituída, declarou que tinha mais piedade pelas crianças africanas do que pelas crianças dos gregos, que deveriam começar por pagar os seus impostos. Esqueceu lembrar que os países mais ricos do Norte do globo poderiam melhorar a condição de milhares dessas crianças suspendendo a venda de armas com que são enviadas para combates sem qualquer justificação humana, e até poderiam identificar os fornecedores.
Teria sido mais de acordo com a realidade, e com o respeito igual por todas as crianças, reconhecer que a ganância financeira abrangeu por igual as crianças do Sul e do Norte do mundo, quando este deixou de se proclamar afluente e consumista e aquele continuava a se reconhecer pobre e desfavorecido, lembrando ainda que se discutia o perdão das dívidas a esses povos da geografia da fome (Josué de Castro) porque já tinham pago em juros mais do que os capitais recebidos por empréstimo.
Não é difícil imaginar que, em data incerta, a continuar a série de irresponsabilidades estaduais que cresce, também pelo antigo Norte rico se encontrarão motivos para igual sugestão. É tão séria a visão que os factos anunciam que cada vez é mais de estranhar a circunstância de a crise ser global, mas os órgãos legalmente responsáveis pelo globalismo não serem chamados a avaliar a ganância que ameaça povos e despe Estados da soberania do século, reduzindo-os a protetorados.
A ONU ainda é o lugar onde todos falam com todos, o que não é o G20, onde alguns procuram dirigir todos. Talvez não seja descabido lembrar a existência do Conselho Económico e Social, onde a experiência dos povos do antigo Sul descurado e pobre pode servir para conter os abusos do Norte que se considerou consumista e rico.
A convicção dos fundadores foi a de haver uma ética internacional, da qual os mercados não estão isentos, e que não consente na consagração do triunfo financeiro sobre a dignidade dos povos, dos Estados, das pessoas, das mães, das crianças.
Pão e paz já foram considerados o centro do direito-poder de intervenção, para salvar vidas, etnias, culturas em perigo. Não há razão para excluir desse poder-dever de intervenção a única instituição criada para lidar com o globalismo, quando ali já chegaram há longo tempo à convicção de que a fronteira da pobreza, hoje a norte do Mediterrâneo, é uma ameaça, depois de originar várias indignidades. A situação de vários povos, sobretudo sem a fronteira definidora do norte do Mediterrâneo, já mostrou as suas debilidades suficientemente comprovadas para que o poder-dever de intervir seja meditado.
Anunciou-se que os líderes mundiais se encontram numa já oficialmente chamada memorável Conferência das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável. Ficará na história como o Rio - 20. É do interesse dos povos que ultrapasse as dúvidas que já circulam, porque entre outros participantes estão os responsáveis das debilidades que ameaçam a Unidade Europeia. Não se trata de imaginar que os ocidentais continuam a dispor de uma superioridade global que os factos negam, mas trata-se de avaliar em que medida esse erro de visão pode agravar as debilidades dos ocidentais.

Fonte: Diário de Noticias

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