quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A diplomacia em questão por Adriano Moreira


Desde 2010, pelo fim desse ano, um dos acontecimentos mais discutidos, no que respeita às relações externas dos Estados, foi a divulgação pela WikiLeaks, uma criação de Julian Assange, de cerca de 250 000 telegramas diplomáticos americanos, ultrapassando em clamor mundial a divulgação, pouco tempo antes, que fizera de documentos relativos à guerra do Afeganistão e à aventura no Iraque.
Muito para além do efeito produzido pelo facto na opinião pública mundial, mais uma vez confrontada pela distância frequente entre o dito e o feito pelos governos, o que mais parece exigir atenção é a revisão de articulação entre confidencialidade diplomática (indispensável) e exigência de informação ao eleitorado (imperativa). Na discussão que acompanhou com profundidade o acontecimento, não foi omitido lembrar que Toqueville, por coincidência o grande analista da democracia americana, terá afirmado que "a política externa não exige o uso de quase nenhuma das qualidades que são próprias da democracia, e exige ao contrário o desenvolvimento de quase todas as que lhe faltam"; por seu lado, o historiador Timothy Garton (Le Monde, 2 de dezembro de 2010) festejava o acontecimento como um sonho para os historiadores investigadores das relações internacionais.
Em síntese, tendo em boa conta a contribuição sintetizadora de Franck Petiteville (L'État du Monde, 2012), o que avulta é a necessidade de encontrar uma reformulação da relação entre uma teoria de continuidade da prática diplomática discreta, e uma teoria de mudança, de modo que a política furtiva, que tantos agravos tem causado ao projeto europeu, deixe de ensombrar, ou pelo menos diminuir, a violação da confiança entre a sociedade civil e os Estados em crise evidente de eficácia e credibilidade, nesta circunstância de globalismo que frequentemente ultrapassa a sua capacidade de resposta, mas não de discurso, em todas as áreas culturais que finalmente se encontram a falar em liberdade, mas não seguramente com autenticidade dominante.
A intervenção turbulenta da WikiLeaks promoveu evidentes inquietações a dirigentes políticos atingidos na credibilidade, e danos a interesses estaduais que exigem confidencialidade diplomática, sem a qual as mais graves negociações serão impossíveis. Mas a globalização da informação, o interesse multiplicado do número de áreas culturais que atingiram a liberdade na ordem internacional, os inúmeros debates diários sobre os diferendos diplomáticos, ou mais graves, que um comentarismo sem intervalos acompanha, frequentemente apoiado apenas em hipóteses, intuições, até criatividade, mas insuficiente acesso aos factos, é o que exige uma renovação de métodos que consigam eliminar as políticas furtivas, sem ofender o resguardo que as negociações sérias exigem.
O processo europeu tem sido uma área infeliz de políticas furtivas, isto é, que os povos apenas conhecem pelos efeitos, nos quais, sobretudo nos negativos, nem eles nem os seus parlamentos participaram.
É difícil esperar acolhimento desvelado e acrítico para os sacrifícios que o patriotismo não permite recusar, quando o teor das políticas foi sobretudo furtivo, e por isso atingindo a confiança entre eleitorado e governo obrigados a assumir a realidade finalmente revelada.
Um dos embaraços mais inquietantes está no facto de os próprios responsáveis, em busca de soluções, serem tão frequentemente surpreendidos pelos factos como os cidadãos. Numa época de diplomacia coletiva, e por isso rodeada de cenários acessíveis à visibilidade que é básica para os meios de informação, o exercício da política furtiva fica obrigado a correr pelos bastidores, com agravamento do Estado-espetáculo e da erosão crescente do valor da confiança que alastra sobretudo, no que mais nos interessa, pela estrutura política dos ocidentais, com o efeito devastador que teve a divulgação em causa.

Fonte: Diário de Noticias

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