Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados
Uma primeira palavra para cumprimentar a nova Presidente da Assembleia da República. É indiscutível que a sua eleição significa que, pela primeira vez, uma mulher preside à casa da Democracia em Portugal. O que de melhor se pode esperar é que o facto, deixando de ser inédito, se torne normal, como é próprio de uma sociedade aberta e moderna. Cumprimento-a, Senhora Presidente, por ser quem é, pelo mérito que tem e que é seu.
A outra saudação que quero dirigir é a todos as senhoras e senhores deputados eleitos.
Ao longo dos últimos anos estive sentado daquele lado, exercendo funções na oposição. Aprendi a respeitar todos, começando pelos que pensam de forma diferente. É habitual no nosso País, às vezes com precipitação, falar-se em sentido do Estado, sobretudo quando alguém se senta na bancada do Governo. Ora, o sentido de Estado, para mais na situação em que Portugal se encontra, não é reservado a um só órgão de soberania; começa aliás, nesta casa, onde ganha expressão o voto dos portugueses. Por isso, costumo dizer que tão ou mais importante do que o sentido de Estado é o sentido comum. E é em nome do sentido comum que afirmo este princípio: no Governo, procuraremos respeitar a Assembleia da República, tal como exigíamos quando estávamos desse lado, na Oposição. O que pedíamos para nós é a medida exacta do que temos de saber praticar com os outros.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Em apenas três semanas, o País tem Primeiro-Ministro, tem Governo e o Governo tem Programa.
Os preceitos constitucionais cumpriram-se com observada eficácia e rapidez. Os mais atentos aos detalhes notam até que foi possível a dois partidos chegar a uma coligação, a um acordo programático e a uma composição de Governo bastante mais depressa do que estávamos habituados a ver em executivos monocolores. Também sucede que um Governo que assenta numa maioria de dois partidos consegue ser substancialmente mais reduzido do que a tradição autorizava, quando se tratava de executivos monoclores.
Esta diferença – na eficácia e na contenção – não é um detalhe; é um sinal. É o sinal de que Portugal, na situação em que se encontra, tem de aproveitar ao máximo o tempo de que dispõe; e é também uma regra de coesão, na medida em que a contenção na formação do Governo diminui a dispersão e aumenta o espírito de equipa.
É já possível identificar mudanças também do ponto de vista da atitude política. Pela primeira vez em muitos anos, uma discussão sobre o Programa do Governo não começa por uma enervante discussão sobre o passado. O julgamento de uma governação acontece nas eleições. Está feito. As eleições terminaram com a contagem dos votos. A tarefa de um Governo é prever, antecipar, executar e decidir. Foi com esse espírito que aqui entrámos. Os Portugueses, tão cépticos sobre o funcionamento das instituições, teriam estranhado que caíssemos na tentação de repetir argumentos utilizados durante a campanha eleitoral por mais favoráveis que fossem ao Governo. São conhecidas as responsabilidades, as facturas, os encargos e os ónus.
Do que Portugal precisa, neste momento, não é de querelas políticas, é de soluções económicas. Do que Portugal precisa, neste momento, não é de ajustes de contas, é de contas certinhas no fim do ano. Do que Portugal precisa, neste momento, não é de agitação social, na eterna esperança de substituir a legitimidade política pela vanguarda da rua; é de uma cultura de compromisso político e de acordo social.
O compromisso político é uma necessidade de respiração democrática depois de anos de exagerada crispação, um tempo em que a política substantiva, aquela que é nobre e que interessa, cedeu demasiadas vezes o seu lugar à politica subjectiva, a que deixa menos traço e mais feridas. Mas também precisamos, como de pão para a boca, de uma inspiração colectiva: a cultura de acordo social e de negociação com os parceiros sociais.
Vivemos tempos de emergência financeira, recessão económica e fractura social, todas e cada qual sem precedentes na nossa história contemporânea. Ora, numa situação destas o que está em causa é mais do que o interesse do empregador, de um lado, e do trabalhador, do outro. O que está em causa é a empresa de todos e o posto de trabalho de cada um. Precisamente por isso, a procura do acordo social é determinante e a sua democratização no espaço da empresa é um avanço importante. Só a conjugação de esforços entre quem cria riqueza e quem produz riqueza pode evitar o progressivo empobrecimento de Portugal. É orientação clara do Governo conseguir que em Portugal o acordo social avance e avance bem e com justiça.
Todos as Senhoras e Senhores Deputados sabem bem, que os países europeus com maior prosperidade são aqueles que praticam, há décadas, uma política de negociação sistemática, progressiva e gradualista. Foi, aliás, com essa política de acordo social que nações devastadas por guerras, sofrimentos e crises se levantavam do chão, trabalharam mais e melhor e atingiram aquilo a que se convencionou chamar “modelo social europeu”, uma soma de conquistas e cedências, como é próprio da negociação, em que o interesse comum, que é o de termos empresas e termos postos de trabalho, prevalece sobre a facilidade do protesto ou a radicalidade das formas de luta.
É certo que as circunstâncias da globalização exigem a reforma desse modelo social, não para o destruir, mas para o salvaguardar. É também certo que as políticas públicas na área laboral exigem não apenas atenção a quem está empregado mas também atenção urgente, à flexibilidade necessária para darmos oportunidades a quem está desempregado. É certo, enfim, que o Memorando de Ajuda Externa impõe restrições sérias, que é o que acontece a um país que passou pelo vexame de ter de pedir dinheiro emprestado para não ser declarado insolvente. Essas circunstâncias não devem consentir abusos por parte de quem dirige as empresas, nem devem servir de pretexto para quem representa os interesses sindicais. É convicção firme do Governo que quando um Estado assina um pedido de ajuda externa, já não é só o Partido ou Partidos do Governo que se comprometem. Há um princípio de cumprimento das obrigações internacionais do Estado Português que nos convoca a todos, sem perda, obviamente, das identidades doutrinárias ou sectoriais. O acordo social não é apenas um dever legal em muitas áreas. É uma prioridade nacional.
Este espírito de compromisso e abertura foi uma nota bastante nítida nos nossos debates de ontem e hoje. Aí está uma prova de envergadura, que não deve esgotar-se neste debate. Pela parte do Governo, manteremos este tom e cultivaremos esta atitude.
Haverá sempre quem pense – um pensamento que a história já se encarregou de fazer caducar -, que não é nos Parlamentos que se faz a luta. Convém ter em consideração este facto: há menos de um mês, o povo votou, e votando, falou; fê-lo na consciência da extrema dificuldade da situação nacional. Na escolha do povo, prevaleceu o voto naqueles Partidos que assumiram o compromisso de cumprir o Memorando de Ajuda Externa.
Se isso aconteceu é porque os Portugueses tiveram a sabedoria de entregar responsabilidades a quem põe o sentido de responsabilidade acima de tudo, e aceitou o encargo de governar precisamente quando é mais difícil, facto de que dá um contributo mais positivo e construtivo do que a mera facilidade de quem nunca aceita responsabilidades e se considera dispensado de propor soluções, na certeza de soluções são algo levemente mais complexo do que “slogans”. Se o povo português teve esta sabedoria – votar sobretudo Partidos que sabem que o momento é difícil e que governar, neste momento, ainda mais difícil é -, o que o povo português espera de nós, e até desejaria que fosse partilhado por todos, é que estejamos à altura.
Quando os Portugueses vêem as imagens de desesperança e instabilidade que nos chegam, às vezes de outros países da zona euro, certamente há um bom senso geral que não recomenda imitações.
Os Portugueses premiaram, politicamente, a responsabilidade. Creio que os Portugueses também premiarão uma cultura de compromisso político e acordo social, não tendo demasiada indulgência para com aqueles que queriam ignorar o voto popular e cansar o país com recurso a greves sistemáticas, sem procura prévia de um ponto de acordo que tenha em conta as circunstâncias de Portugal.
É que a construção da esperança em dias melhores também implica um cuidado, partilhado entre todos : o de não piorar os dias do presente, que são já suficientemente difíceis.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores. Deputados,
Ontem, o Governo, anunciou que teria de ser tomada uma medida desagradável e bem pouco popular, qual seja a de uma contribuição especial que poderá representar 50% do subsídio de natal, com diferenciação positiva sobre os mais baixos. Do anúncio dessa medida quero apenas extrair três notas.
Iludir não está dentro dos deveres de um Governo. Ser realista está entre as obrigações de um Governo. Ora, se o Instituto Nacional de Estatística revela que há uma derrapagem orçamental que nos afasta das metas com que Portugal se comprometeu, é preferível um Governo prevenir para não ter mais tarde de remediar. Apreciámos a posição da Senhora Líder Parlamentar do PS que remeteu para mais tarde e maior concretização uma posição definitiva sobre a medida. Não tanto pela sobriedade que sempre seria esperável, dado o trimestre a que se reporta a referida execução, mas sobretudo pelo sentido de país: Portugal não pode falhar os 5.9% do défice orçamental no final do ano, pela simples razão de que esse é o primeiro valor relevante na avaliação externa sobre Portugal.
Reforço, por outro lado, a preocupação de universalidade, que tanto chega a rendimentos de trabalho como a rendimentos de mais valias, e que pedirá mais a quem mais tem, e menos a quem menos pode.
Mas acima devemos valorizar o que é um compromisso comum a todo o Governo: mesmo em tempo de sacrifícios, mesmo em tempo de austeridade, não se sacrificam os pensionistas mais pobres, não se é austero com os idosos que têm menos rendimentos. Um milhão e 400 mil Portugueses cuja reforma está abaixo dos 485 euros não são atingidos por esta medida. Se compararmos este facto com o congelamento das pensões mínimas, sociais e rurais, decidido em 2010 para este ano, reconhecer-se-á com elementar justiça que, quando falamos em ética social na austeridade, protegendo os mais pobres, não dizemos palavras, somos consequentes nas decisões. É uma meditação que deixo aos críticos mais apressados da medida.
A questão da austeridade convoca uma outra matéria sensível. A do exemplo que o Estado dá quando pede sacrifícios. Sem moralismos, mas com determinação. Um alerta de que estamos comprometidos com esse exemplo que já foi dado com a decisão de não nomear novos Governadores Civis. É uma decisão que o país entende, pela prosaica razão de que a maioria dos Portugueses percebe mal porque subsistem, ainda, os Governos Civis, sendo demonstrável que com a adequada distribuição das suas actuais competências se pode manter o serviço ao público, ganhando-se eficiência na despesa.
Há uma outra decisão que podemos anunciar hoje e que é similar no combate ao desperdício e ao despesismo que são dois hábitos que a sociedade portuguesa não tolera mais; é, aliás, uma decisão que também é importante para outro debate nada irrelevante, que é, digamo-lo com franqueza, o do clientelismo. Diz a lei que os Centros Distritais da Segurança Social têm um Director e Directores-Adjuntos. O Governo tomou a decisão de não nomear, em cada Distrito, um Director-Adjunto. Porque não são indispensáveis, havendo um Director. E porque, emblematicamente, são despesa que não prejudica ninguém poupar. Do ponto de vista conceptual, há também aqui um sinal pragmático sobre a velha questão dos “jobs for the boys” : como alguém diria, a maneira mais eficaz de terminar com a tentação dos boys é mesmo terminar com a profusão dos jobs.
Temos, todos, de saber compreender o que há uma exigência cívica nesta matéria. Alias, a reforma das estruturas do Estado e do seu sector empresarial, bem como a intenção ontem confirmada pelo Primeiro-Ministro de restabelecer hierarquias de mérito na alta administração pública, são o corolário de que é possível fazer um caminho pelas boas práticas.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Nunca como hoje a política externa esteve tão vinculada á situação interna. Este facto ainda não significativamente notado, tem uma explicação : o primeiro dever de um Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, na conjuntura difícil em que o país se encontra, é fazer tudo o que estiver ao seu alcance para melhorar a percepção externa sobre Portugal, o que significa mobilizar toda a competência da diplomacia portuguesa – que é muita - de acordo com uma estratégia coordenada, profissional e rigorosa, para demonstrar, junto dos outros países, dos outros Governos, das Instituições, das opiniões públicas e dos mercados, que Portugal é mesmo capaz de ultrapassar esta situação.
Nesta matéria, quero destacar algumas regras que me parecem elementares para o bom sucesso da missão.
A primeira é prevalência da acção, sem descurar a palavra. Faço parte daqueles que entendem que, nesta crise da divida soberana, Portugal não pode e não pode falhar , o que significa, que tem de cumprir. Seria mal recebido um governo que começasse por hesitar ou adiar. A palavra dada pelo Estado Português e para honrar e não tenho dúvidas que, quanto mais cumprirmos, mais cedo recuperaremos a nossa autonomia enquanto Estado e a nossa liberdade enquanto Nação; se optássemos por não cumprir, pior ficaria o nosso caso.
Também faço parte daqueles que acreditam que se é verdade que Portugal precisa de cumprir, também é verdade que a União Europeia tem a ganhar, nesta situação altamente complexa e crítica, com um caso que corra bem. É a conjugação destes dois factores que nos dá uma oportunidade – que é estreita porque as circunstâncias são voláteis – e que precisa de ser aproveitada. Dizer que Portugal é um caso diferente é importante. Mas provar que Portugal é um caso diferente - com factos nítidos, decisões corajosas, altitudes preventivas, medidas credíveis e opções difíceis - é mesmo o mais importante da nossa função.
A segunda regra é a vantagem de uma política de antecipação, sobre uma política meramente reactiva aos acontecimentos. As circunstâncias externas, como disse, são profundamente voláteis e há ainda riscos por ultrapassar, que surgem em várias frentes. Por sua vez, a nossa situação de partida é, como sabemos, frágil: porque a dívida do Estado é astronómica; porque os juros são altos; porque basta observar as taxas no mercado secundário para entender a que ponto teríamos chegado sem ajuda externa; porque à questão prévia do endividamento se soma a questão central do crescimento, sabendo todos que estamos em recessão, a segunda em dois anos, com as previsões a apontar para que essa recessão dominará a primeira metade da legislatura.
Neste quadro, não é apenas a margem de manobra do Governo que é pequena; é a margem de manobra do país como um todo que é estreita. É por isso que, a começar imediatamente, e durante bastante tempo sucessiva e progressivamente, temos de antecipar os riscos, antecipar os alertas e decidir em conformidade. A política do Governo não é apenas cumprir as metas a que nos comprometemos; é, em pouco tempo, dar o sinal, cá dentro e lá fora, de que o nosso desempenho é melhor, o nosso ritmo é maior, o nosso comprometimento é claro e objectivo. Se pudermos antecipar privatizações com cadernos de encargos bem feitos, se pudermos antecipar reformas estruturais que fazem falta à economia e se pudermos antecipar medidas necessárias sobre a despesa, devemos fazê-lo. A única forma de tentar colocar Portugal ao abrigo de sobressaltos noutros países, é fazer uma política que nos diferencia pela credibilidade e pela confiança.
Por fim, damos muito valor á manutenção daquelas que são as nossas vantagens competitivas, mesmo num cenário extremamente preocupante. Em politica, e parece-me que ainda mais em politica externa, há uma não subtil diferença entre as circunstâncias que controlamos, e aquelas em que apenas participamos, mas manifestamente não controlamos. É a diferença entre o que está ao nosso alcance e aquilo que não depende de nós ou não depende essencialmente de nós.
Depende de Portugal, por exemplo, uma vantagem preciosa nesta conjuntura : manter, cuidar e alimentar um perímetro de apoio ao cumprimento do Memorando de Ajuda Externa que é mais vasto e mais largo do que a própria maioria governamental. Comparado com outras situações, noutros lugares, esse consenso pode ajudar muitíssimo a melhorar o caso português.
De igual modo, depende de nós, termos uma politica pró activa, intensiva, coordenada, de apoio vital às exportações, à internacionalização das empresas, à promoção no estrangeiro – e cá dentro – da marca Portugal, à captação de investimento no nosso país. Bem sabemos que a margem de manobra é estreita; mas para travar o endividamento tem de haver coragem, para reduzir a despesa tem de haver determinação e para ajudar empresas, marcas e produtos portugueses tem de haver audácia
Nisso, os diplomatas podem dar uma sensível ajuda : ser diplomata desta antiquíssima nação, nestes dias tormentosos de 2011, é acima de tudo promover as empresas no exterior, promover os produtos portugueses no exterior, apoiar a “marca Portugal” no mundo, contactar investidores, apresentar empreendedores, ou seja, participar no mais notável dos esforços – a recuperação da confiança, mediante uma estratégia ordenada e coordenada que termos de saber executar.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Um daqueles homens de Estado que nos fez lembrar a parte boa do século XX – curiosamente um democrata cristão alemão, o chanceler Konrad Adenauer – afirmou esta ideia que é luminosa : “a história também é a soma do que poderia ter sido evitado” .
Claro que a situação de Portugal podia ter sido evitada e impressiona muito que certas reformas óbvias tenham de ser feitas porque alguém de fora nos diz que são necessárias. Mas esta reflexão melancólica não nos levaria a lado algum se não fosse acompanhada pela determinação em curar o mal, sarar a ferida, impor uma ética do esforço, do trabalho, do mérito e da contenção, fazer o que é preciso fazer, decidir o que tem de ser decidido, e transformar cada dia que falta num dia que nos deixa mais longe da péssima situação de que partimos.
Não é a primeira vez que Portugal é capaz do que parece tão difícil. Mas Portugal, como todos sabemos, já noutras épocas se endividou e empobreceu, e nem por isso soçobrou. Portugal é capaz, e os Portugueses são capazes. Os Portugueses de hoje e os de amanhã são herdeiros de uma velha têmpera, que sempre surpreendeu o mundo na adversidade.
Vamos a isso!
Tenho dito.
Senhoras e Senhores Deputados
Uma primeira palavra para cumprimentar a nova Presidente da Assembleia da República. É indiscutível que a sua eleição significa que, pela primeira vez, uma mulher preside à casa da Democracia em Portugal. O que de melhor se pode esperar é que o facto, deixando de ser inédito, se torne normal, como é próprio de uma sociedade aberta e moderna. Cumprimento-a, Senhora Presidente, por ser quem é, pelo mérito que tem e que é seu.
A outra saudação que quero dirigir é a todos as senhoras e senhores deputados eleitos.
Ao longo dos últimos anos estive sentado daquele lado, exercendo funções na oposição. Aprendi a respeitar todos, começando pelos que pensam de forma diferente. É habitual no nosso País, às vezes com precipitação, falar-se em sentido do Estado, sobretudo quando alguém se senta na bancada do Governo. Ora, o sentido de Estado, para mais na situação em que Portugal se encontra, não é reservado a um só órgão de soberania; começa aliás, nesta casa, onde ganha expressão o voto dos portugueses. Por isso, costumo dizer que tão ou mais importante do que o sentido de Estado é o sentido comum. E é em nome do sentido comum que afirmo este princípio: no Governo, procuraremos respeitar a Assembleia da República, tal como exigíamos quando estávamos desse lado, na Oposição. O que pedíamos para nós é a medida exacta do que temos de saber praticar com os outros.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Em apenas três semanas, o País tem Primeiro-Ministro, tem Governo e o Governo tem Programa.
Os preceitos constitucionais cumpriram-se com observada eficácia e rapidez. Os mais atentos aos detalhes notam até que foi possível a dois partidos chegar a uma coligação, a um acordo programático e a uma composição de Governo bastante mais depressa do que estávamos habituados a ver em executivos monocolores. Também sucede que um Governo que assenta numa maioria de dois partidos consegue ser substancialmente mais reduzido do que a tradição autorizava, quando se tratava de executivos monoclores.
Esta diferença – na eficácia e na contenção – não é um detalhe; é um sinal. É o sinal de que Portugal, na situação em que se encontra, tem de aproveitar ao máximo o tempo de que dispõe; e é também uma regra de coesão, na medida em que a contenção na formação do Governo diminui a dispersão e aumenta o espírito de equipa.
É já possível identificar mudanças também do ponto de vista da atitude política. Pela primeira vez em muitos anos, uma discussão sobre o Programa do Governo não começa por uma enervante discussão sobre o passado. O julgamento de uma governação acontece nas eleições. Está feito. As eleições terminaram com a contagem dos votos. A tarefa de um Governo é prever, antecipar, executar e decidir. Foi com esse espírito que aqui entrámos. Os Portugueses, tão cépticos sobre o funcionamento das instituições, teriam estranhado que caíssemos na tentação de repetir argumentos utilizados durante a campanha eleitoral por mais favoráveis que fossem ao Governo. São conhecidas as responsabilidades, as facturas, os encargos e os ónus.
Do que Portugal precisa, neste momento, não é de querelas políticas, é de soluções económicas. Do que Portugal precisa, neste momento, não é de ajustes de contas, é de contas certinhas no fim do ano. Do que Portugal precisa, neste momento, não é de agitação social, na eterna esperança de substituir a legitimidade política pela vanguarda da rua; é de uma cultura de compromisso político e de acordo social.
O compromisso político é uma necessidade de respiração democrática depois de anos de exagerada crispação, um tempo em que a política substantiva, aquela que é nobre e que interessa, cedeu demasiadas vezes o seu lugar à politica subjectiva, a que deixa menos traço e mais feridas. Mas também precisamos, como de pão para a boca, de uma inspiração colectiva: a cultura de acordo social e de negociação com os parceiros sociais.
Vivemos tempos de emergência financeira, recessão económica e fractura social, todas e cada qual sem precedentes na nossa história contemporânea. Ora, numa situação destas o que está em causa é mais do que o interesse do empregador, de um lado, e do trabalhador, do outro. O que está em causa é a empresa de todos e o posto de trabalho de cada um. Precisamente por isso, a procura do acordo social é determinante e a sua democratização no espaço da empresa é um avanço importante. Só a conjugação de esforços entre quem cria riqueza e quem produz riqueza pode evitar o progressivo empobrecimento de Portugal. É orientação clara do Governo conseguir que em Portugal o acordo social avance e avance bem e com justiça.
Todos as Senhoras e Senhores Deputados sabem bem, que os países europeus com maior prosperidade são aqueles que praticam, há décadas, uma política de negociação sistemática, progressiva e gradualista. Foi, aliás, com essa política de acordo social que nações devastadas por guerras, sofrimentos e crises se levantavam do chão, trabalharam mais e melhor e atingiram aquilo a que se convencionou chamar “modelo social europeu”, uma soma de conquistas e cedências, como é próprio da negociação, em que o interesse comum, que é o de termos empresas e termos postos de trabalho, prevalece sobre a facilidade do protesto ou a radicalidade das formas de luta.
É certo que as circunstâncias da globalização exigem a reforma desse modelo social, não para o destruir, mas para o salvaguardar. É também certo que as políticas públicas na área laboral exigem não apenas atenção a quem está empregado mas também atenção urgente, à flexibilidade necessária para darmos oportunidades a quem está desempregado. É certo, enfim, que o Memorando de Ajuda Externa impõe restrições sérias, que é o que acontece a um país que passou pelo vexame de ter de pedir dinheiro emprestado para não ser declarado insolvente. Essas circunstâncias não devem consentir abusos por parte de quem dirige as empresas, nem devem servir de pretexto para quem representa os interesses sindicais. É convicção firme do Governo que quando um Estado assina um pedido de ajuda externa, já não é só o Partido ou Partidos do Governo que se comprometem. Há um princípio de cumprimento das obrigações internacionais do Estado Português que nos convoca a todos, sem perda, obviamente, das identidades doutrinárias ou sectoriais. O acordo social não é apenas um dever legal em muitas áreas. É uma prioridade nacional.
Este espírito de compromisso e abertura foi uma nota bastante nítida nos nossos debates de ontem e hoje. Aí está uma prova de envergadura, que não deve esgotar-se neste debate. Pela parte do Governo, manteremos este tom e cultivaremos esta atitude.
Haverá sempre quem pense – um pensamento que a história já se encarregou de fazer caducar -, que não é nos Parlamentos que se faz a luta. Convém ter em consideração este facto: há menos de um mês, o povo votou, e votando, falou; fê-lo na consciência da extrema dificuldade da situação nacional. Na escolha do povo, prevaleceu o voto naqueles Partidos que assumiram o compromisso de cumprir o Memorando de Ajuda Externa.
Se isso aconteceu é porque os Portugueses tiveram a sabedoria de entregar responsabilidades a quem põe o sentido de responsabilidade acima de tudo, e aceitou o encargo de governar precisamente quando é mais difícil, facto de que dá um contributo mais positivo e construtivo do que a mera facilidade de quem nunca aceita responsabilidades e se considera dispensado de propor soluções, na certeza de soluções são algo levemente mais complexo do que “slogans”. Se o povo português teve esta sabedoria – votar sobretudo Partidos que sabem que o momento é difícil e que governar, neste momento, ainda mais difícil é -, o que o povo português espera de nós, e até desejaria que fosse partilhado por todos, é que estejamos à altura.
Quando os Portugueses vêem as imagens de desesperança e instabilidade que nos chegam, às vezes de outros países da zona euro, certamente há um bom senso geral que não recomenda imitações.
Os Portugueses premiaram, politicamente, a responsabilidade. Creio que os Portugueses também premiarão uma cultura de compromisso político e acordo social, não tendo demasiada indulgência para com aqueles que queriam ignorar o voto popular e cansar o país com recurso a greves sistemáticas, sem procura prévia de um ponto de acordo que tenha em conta as circunstâncias de Portugal.
É que a construção da esperança em dias melhores também implica um cuidado, partilhado entre todos : o de não piorar os dias do presente, que são já suficientemente difíceis.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores. Deputados,
Ontem, o Governo, anunciou que teria de ser tomada uma medida desagradável e bem pouco popular, qual seja a de uma contribuição especial que poderá representar 50% do subsídio de natal, com diferenciação positiva sobre os mais baixos. Do anúncio dessa medida quero apenas extrair três notas.
Iludir não está dentro dos deveres de um Governo. Ser realista está entre as obrigações de um Governo. Ora, se o Instituto Nacional de Estatística revela que há uma derrapagem orçamental que nos afasta das metas com que Portugal se comprometeu, é preferível um Governo prevenir para não ter mais tarde de remediar. Apreciámos a posição da Senhora Líder Parlamentar do PS que remeteu para mais tarde e maior concretização uma posição definitiva sobre a medida. Não tanto pela sobriedade que sempre seria esperável, dado o trimestre a que se reporta a referida execução, mas sobretudo pelo sentido de país: Portugal não pode falhar os 5.9% do défice orçamental no final do ano, pela simples razão de que esse é o primeiro valor relevante na avaliação externa sobre Portugal.
Reforço, por outro lado, a preocupação de universalidade, que tanto chega a rendimentos de trabalho como a rendimentos de mais valias, e que pedirá mais a quem mais tem, e menos a quem menos pode.
Mas acima devemos valorizar o que é um compromisso comum a todo o Governo: mesmo em tempo de sacrifícios, mesmo em tempo de austeridade, não se sacrificam os pensionistas mais pobres, não se é austero com os idosos que têm menos rendimentos. Um milhão e 400 mil Portugueses cuja reforma está abaixo dos 485 euros não são atingidos por esta medida. Se compararmos este facto com o congelamento das pensões mínimas, sociais e rurais, decidido em 2010 para este ano, reconhecer-se-á com elementar justiça que, quando falamos em ética social na austeridade, protegendo os mais pobres, não dizemos palavras, somos consequentes nas decisões. É uma meditação que deixo aos críticos mais apressados da medida.
A questão da austeridade convoca uma outra matéria sensível. A do exemplo que o Estado dá quando pede sacrifícios. Sem moralismos, mas com determinação. Um alerta de que estamos comprometidos com esse exemplo que já foi dado com a decisão de não nomear novos Governadores Civis. É uma decisão que o país entende, pela prosaica razão de que a maioria dos Portugueses percebe mal porque subsistem, ainda, os Governos Civis, sendo demonstrável que com a adequada distribuição das suas actuais competências se pode manter o serviço ao público, ganhando-se eficiência na despesa.
Há uma outra decisão que podemos anunciar hoje e que é similar no combate ao desperdício e ao despesismo que são dois hábitos que a sociedade portuguesa não tolera mais; é, aliás, uma decisão que também é importante para outro debate nada irrelevante, que é, digamo-lo com franqueza, o do clientelismo. Diz a lei que os Centros Distritais da Segurança Social têm um Director e Directores-Adjuntos. O Governo tomou a decisão de não nomear, em cada Distrito, um Director-Adjunto. Porque não são indispensáveis, havendo um Director. E porque, emblematicamente, são despesa que não prejudica ninguém poupar. Do ponto de vista conceptual, há também aqui um sinal pragmático sobre a velha questão dos “jobs for the boys” : como alguém diria, a maneira mais eficaz de terminar com a tentação dos boys é mesmo terminar com a profusão dos jobs.
Temos, todos, de saber compreender o que há uma exigência cívica nesta matéria. Alias, a reforma das estruturas do Estado e do seu sector empresarial, bem como a intenção ontem confirmada pelo Primeiro-Ministro de restabelecer hierarquias de mérito na alta administração pública, são o corolário de que é possível fazer um caminho pelas boas práticas.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Nunca como hoje a política externa esteve tão vinculada á situação interna. Este facto ainda não significativamente notado, tem uma explicação : o primeiro dever de um Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, na conjuntura difícil em que o país se encontra, é fazer tudo o que estiver ao seu alcance para melhorar a percepção externa sobre Portugal, o que significa mobilizar toda a competência da diplomacia portuguesa – que é muita - de acordo com uma estratégia coordenada, profissional e rigorosa, para demonstrar, junto dos outros países, dos outros Governos, das Instituições, das opiniões públicas e dos mercados, que Portugal é mesmo capaz de ultrapassar esta situação.
Nesta matéria, quero destacar algumas regras que me parecem elementares para o bom sucesso da missão.
A primeira é prevalência da acção, sem descurar a palavra. Faço parte daqueles que entendem que, nesta crise da divida soberana, Portugal não pode e não pode falhar , o que significa, que tem de cumprir. Seria mal recebido um governo que começasse por hesitar ou adiar. A palavra dada pelo Estado Português e para honrar e não tenho dúvidas que, quanto mais cumprirmos, mais cedo recuperaremos a nossa autonomia enquanto Estado e a nossa liberdade enquanto Nação; se optássemos por não cumprir, pior ficaria o nosso caso.
Também faço parte daqueles que acreditam que se é verdade que Portugal precisa de cumprir, também é verdade que a União Europeia tem a ganhar, nesta situação altamente complexa e crítica, com um caso que corra bem. É a conjugação destes dois factores que nos dá uma oportunidade – que é estreita porque as circunstâncias são voláteis – e que precisa de ser aproveitada. Dizer que Portugal é um caso diferente é importante. Mas provar que Portugal é um caso diferente - com factos nítidos, decisões corajosas, altitudes preventivas, medidas credíveis e opções difíceis - é mesmo o mais importante da nossa função.
A segunda regra é a vantagem de uma política de antecipação, sobre uma política meramente reactiva aos acontecimentos. As circunstâncias externas, como disse, são profundamente voláteis e há ainda riscos por ultrapassar, que surgem em várias frentes. Por sua vez, a nossa situação de partida é, como sabemos, frágil: porque a dívida do Estado é astronómica; porque os juros são altos; porque basta observar as taxas no mercado secundário para entender a que ponto teríamos chegado sem ajuda externa; porque à questão prévia do endividamento se soma a questão central do crescimento, sabendo todos que estamos em recessão, a segunda em dois anos, com as previsões a apontar para que essa recessão dominará a primeira metade da legislatura.
Neste quadro, não é apenas a margem de manobra do Governo que é pequena; é a margem de manobra do país como um todo que é estreita. É por isso que, a começar imediatamente, e durante bastante tempo sucessiva e progressivamente, temos de antecipar os riscos, antecipar os alertas e decidir em conformidade. A política do Governo não é apenas cumprir as metas a que nos comprometemos; é, em pouco tempo, dar o sinal, cá dentro e lá fora, de que o nosso desempenho é melhor, o nosso ritmo é maior, o nosso comprometimento é claro e objectivo. Se pudermos antecipar privatizações com cadernos de encargos bem feitos, se pudermos antecipar reformas estruturais que fazem falta à economia e se pudermos antecipar medidas necessárias sobre a despesa, devemos fazê-lo. A única forma de tentar colocar Portugal ao abrigo de sobressaltos noutros países, é fazer uma política que nos diferencia pela credibilidade e pela confiança.
Por fim, damos muito valor á manutenção daquelas que são as nossas vantagens competitivas, mesmo num cenário extremamente preocupante. Em politica, e parece-me que ainda mais em politica externa, há uma não subtil diferença entre as circunstâncias que controlamos, e aquelas em que apenas participamos, mas manifestamente não controlamos. É a diferença entre o que está ao nosso alcance e aquilo que não depende de nós ou não depende essencialmente de nós.
Depende de Portugal, por exemplo, uma vantagem preciosa nesta conjuntura : manter, cuidar e alimentar um perímetro de apoio ao cumprimento do Memorando de Ajuda Externa que é mais vasto e mais largo do que a própria maioria governamental. Comparado com outras situações, noutros lugares, esse consenso pode ajudar muitíssimo a melhorar o caso português.
De igual modo, depende de nós, termos uma politica pró activa, intensiva, coordenada, de apoio vital às exportações, à internacionalização das empresas, à promoção no estrangeiro – e cá dentro – da marca Portugal, à captação de investimento no nosso país. Bem sabemos que a margem de manobra é estreita; mas para travar o endividamento tem de haver coragem, para reduzir a despesa tem de haver determinação e para ajudar empresas, marcas e produtos portugueses tem de haver audácia
Nisso, os diplomatas podem dar uma sensível ajuda : ser diplomata desta antiquíssima nação, nestes dias tormentosos de 2011, é acima de tudo promover as empresas no exterior, promover os produtos portugueses no exterior, apoiar a “marca Portugal” no mundo, contactar investidores, apresentar empreendedores, ou seja, participar no mais notável dos esforços – a recuperação da confiança, mediante uma estratégia ordenada e coordenada que termos de saber executar.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Um daqueles homens de Estado que nos fez lembrar a parte boa do século XX – curiosamente um democrata cristão alemão, o chanceler Konrad Adenauer – afirmou esta ideia que é luminosa : “a história também é a soma do que poderia ter sido evitado” .
Claro que a situação de Portugal podia ter sido evitada e impressiona muito que certas reformas óbvias tenham de ser feitas porque alguém de fora nos diz que são necessárias. Mas esta reflexão melancólica não nos levaria a lado algum se não fosse acompanhada pela determinação em curar o mal, sarar a ferida, impor uma ética do esforço, do trabalho, do mérito e da contenção, fazer o que é preciso fazer, decidir o que tem de ser decidido, e transformar cada dia que falta num dia que nos deixa mais longe da péssima situação de que partimos.
Não é a primeira vez que Portugal é capaz do que parece tão difícil. Mas Portugal, como todos sabemos, já noutras épocas se endividou e empobreceu, e nem por isso soçobrou. Portugal é capaz, e os Portugueses são capazes. Os Portugueses de hoje e os de amanhã são herdeiros de uma velha têmpera, que sempre surpreendeu o mundo na adversidade.
Vamos a isso!
Tenho dito.