terça-feira, 19 de junho de 2012
Evitar a hora dos escombros por Adriano Moreira
Não é certamente altura para voltar a repensar as razões pelas quais foi destruída a versão Império Euromundista, esgotada pela guerra civil que foi a Guerra de 1939-1945, porque é de novo urgente pensar no futuro da Europa.
Esta urgência resulta da súbita mudança da circunstância mundial que se traduz, do ponto de vista financeiro e económico, na brutal crise que afeta todos os seus povos; do ponto de vista estratégico do crescimento exponencial dos poderes emergentes erguidos naquelas regiões que o Império Euromundista chamou resto do mundo, e hoje se multiplica, a servir de exemplo, na China, na União Indiana, na Indonésia; do ponto de vista cultural, no encontro de todas as áreas culturais do mundo a falar, pela primeira vez, em liberdade na cena internacional e a impor leituras inovadoras dos textos internacionais; do ponto de vista ambientalista, na revolta da Deusa Gaia, em cólera pelo facto de termos destruído a natureza; do ponto de vista normativo, porque não se encontra o paradigma global com que sonha Küng para reorganizar a desordem do globo político; do ponto de vista ético, um relativismo destruidor de todas as escalas de valores das sociedades civis que se interrogam, perplexas, sobre o futuro que é possível construir; do ponto de vista da articulação mundial, a Europa é dependente de matérias-primas, de energias não renováveis e até de autonomia alimentar; pelo que toca ao confronto, que dominou o século XX, entre a cidade global do Norte, afluente, consumista, rica, e o Sul pobre, a fronteira da pobreza ultrapassou o Mediterrâneo e vai absorvendo parte dos países da antiga cidade planetária do Norte; o mar Mediterrâneo, que guardava a fronteira da pobreza, é subitamente o centro da convulsão do cordão muçulmano que, de Gibraltar à Indonésia, separa o Norte do Sul do mundo, altera as solidariedades, os alicerces, e até ameaças, tornando duvidosas todas as prospetivas do futuro europeu.
Admitindo que as capacidades científicas e técnicas europeias ainda representam um capital de valor capaz de impedir, pelo menos, a superioridade a todos os competidores, nesta área tão fundamental para os destinos do mundo, talvez seja apropriado procurar a mobi- lização das vontades dos cidadãos para recuperar uma intervenção positiva e diretiva na reorganização de uma ordem mundial que cimente o recomeço do desenvolvimento sustentado, que é, como disse Paulo VI, o novo nome da paz.
Para isso, uma avaliação dos erros cometidos deve anteceder a avaliação dos erros que não podem ser repetidos, para assim salvaguardar o direito e a capacidade de construir um novo futuro europeu, uma nova época gloriosa na história europeia.
Reconhecer que o fim do Euromundo foi um efeito dos demónios interiores dos europeus, e não causado por qualquer ameaça exterior, deve aconselhar não dar espaço à ressurreição de qualquer desses demónios.
Um deles foi a tendência para hierarquizar os poderes estaduais europeus, pretendendo impor uma capacidade diretiva política, de feição imperial, em vez de lutar apenas pela liderança do consenso dos europeus, como propuseram todos os projetistas da paz, incluindo Kant, e souberam os fundadores do movimento da União, depois da guerra, colocando-se acima das culpas e das responsabilidades, para em comum abrirem portas a um novo futuro de prosperidade e paz.
Os nomes de Schuman, Adenauer e De Gasperi não devem ser esquecidos, pela capacidade humanista e pela capacidade de liderança de que deram provas, coroados por resultados, sem esquecimento do passado.
Depois, seguindo-lhes o exemplo, é necessário não permitir que a imaginação de grandeza dure mais tempo do que os factos, como aconteceu na elaboração da Carta da ONU, ao supor que o privilégio do veto estava a ser entregue a potências que ainda conservavam as capacidades anteriores ao desastre de 1939-1945, avançando com o corolário que veio a traduzir-se no unilateralismo dos republicanos americanos, nas teses alternativas do fim da história e do conflito das civilizações. Uma lembrança a ter presente para evitar entrar na hora dos escombros
Fonte: Diário de Noticias
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