quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Fragmentos da Memória por Adriano Moreira
No seu número 134 (2011), a revista Commentaire publicou um texto extraído do livro de Mona Ozouf, editado pela coleção Les Memorables, que Laurent Theis organiza, com o título de La Réforme Intellectuelle et Morale d'Ernest Renan.
O tema mais interessante do escrito diz respeito à relação entre a Alemanha e a França, uma questão que desde sempre, e infelizmente também nesta data, afeta as previsões e as intenções da unidade europeia frente ao globalismo, unidade sem a qual a Europa não terá voz que seja importante para o mundo em mudança.
Variando de ilusões e de esperanças no período não excessivamente longo da sua vida, e desgostosa com a evolução política da Alemanha que contrariou as suas perdidas convicções, a autora traduz da seguinte maneira o estado de espírito do memorável autor: considera que a primeira (Alemanha) parece excluir o acordo amigável das nações, pois cada uma tem a sua hora gloriosa, que a outra deve pagar com o seu declínio. E comparando diferenças, escreveu: "Os franceses entontecidos, desordenados, esquecidos, amadores de mulheres, enquanto os seus vizinhos são disciplinados, metódicos, tenazes e castos." Trata-se de uma pequena contribuição para as teses antropológicas da atual chanceler alemã e que não traz uma grande tranquilidade às inquietações que tem provocado por todo o Sul, ao qual deve tanto da sua situação mais favorável destes tempos difíceis.
Renan não deixou de corrigir a pretensa relação entre virtudes e debilidades, lembrando as contribuições do Sul, compreendendo-se que destacasse a França, para o que se chama hoje o património comum da humanidade. Mas também, segundo o referido documento, não deixou de sentir que "todas as nações estão submissas à grande lei natural, crescimento, esgotamento, declínio, caducidade".
Tudo não o impedia de encontrar na nação a força e a energia moral, transmitidas entre as gerações, que não permite cortar com a terra do nascimento. As leituras da mensagem foram divergentes entre a esquerda e a direita, de tal modo que o seu livro La Réforme Intellectuelle et Morale pode ser considerado pela última tanto como um padrão de antissemitismo (Brunetiére), como um padrinho da colaboração (Abel Herman).
Os que, por outro lado, entenderam que o livro era simplesmente um fruto da circunstância vivida, não previam que, depois da brutalidade da invasão de 1939-1945, surgisse uma espécie de aliança entre os dois países, um do tipo de servidores da paz e dos valores que na época foram inovadores, o outro lembrado de uma supremacia diretória que pode lembrar as políticas dos tempos anteriores ao aparecimento da União. E não se trata de antropologias ligeiras, antes invocadas para legitimar atitudes não previstas nem cobertas pelo Tratado em vigor, mas pura e simplesmente inspiradas pelo jogo do mercado, pela supremacia das finanças, de facto pela desordem mundial que atinge a ONU por causa dos impossíveis objetivos do Milénio, que não é chamada para fixar diretivas contra a ganância, esta sem centro de decisão conhecido, mas que ataca a estrutura financeira dos Estados da União. A que conseguiu que a fronteira da pobreza se instalasse a norte do Mediterrâneo, a que fez da área um importante objeto de meditação para os que ainda acreditam que os objetivos do milénio estão ao alcance de instituições onde tudo o que podem é tentar impor a autoridade da palavra.
Mas até esta arma, que desarma os poderes excessivos, parece já enfraquecida naquela sede de diálogo mundial, onde as intervenções públicas dos responsáveis mais parecem preces a um Deus desconhecido, do que a voz da autoridade que a Carta pretendeu instituir. Talvez porque escrita apenas por mãos ocidentais, que não contaram com os fragmentos de memória que inspiram os demónios históricos europeus.
Fonte: Diário de Noticias
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