sábado, 29 de setembro de 2012

O futuro do poder militar - Por Adriano Moreira


Por muito insuspeita que seja a imparcialidade científica de um analista, e sobretudo de um doutrinador, em relação à nacionalidade a que deve lealdade (allegiance), a atenção de Joseph Nye ao poder militar não pode deixar de ser condicionada quer pela sua experiência de governo, quer pela longa e recompensada carreira académica.
Neste caso admito que com vantagem para o rigor possível da prospetiva, numa circunstância em que os juízos de certeza quanto ao futuro são impossíveis, os juízos de probabilidade são uma audácia, e os juízos de possibilidade estão sempre sujeitos à imprevisível variação das circunstâncias.
Por isso é certamente com larga e fundamentada prevenção que no seu último trabalho sobre "o futuro do poder", recentemente traduzido para português, se ocupa do poder militar, em tese e particularmente em relação aos EUA.
Na data em que se discute a reformulação do conceito estratégico de defesa e segurança português, as observações do professor merecem atenção, sobretudo não podendo deixar de ter em conta a Aliança e, em relação a ela, expressa ou implicitamente, o que diz respeito à pluralidade de interesses dos aliados, e o que interessa especificamente aos EUA, ou que particularmente inquieta os cidadãos americanos, como são os casos do Iraque e do Afeganistão: lembrando, para marcar a mudança em relação aos tempos que vivemos, a fórmula desatualizada de Napoleão, segundo o qual "Deus está do lado dos grandes batalhões".
Tem interesse, sobretudo para os pequenos países, inevitavelmente envolvidos, direta ou indiretamente, nos conflitos que exigem o recurso à violência das armas, os motivos pelos quais considera que a força militar, e o seu papel, diminuíram no século passado.
Em primeiro lugar estima que os arsenais nucleares, em relação aos quais o Irão é uma constante fonte de inquietações, estão a perder importância porque os líderes avaliam a relação entre o seu custo e os objetivos que razoavelmente tenham em vista, incluindo os custos humanos e devastação inevitável.
Por isso, mesmo para os Estados emergentes, a sua posse é mais dissuasora do que o seu uso; conclui assim que "as armas nucleares continuam a ser importantes na política mundial, mas não como arma de guerra". Por outro lado, adianta, as forças convencionais tornaram-se excessivamente dispendiosas, lembrando que a França conquistou a Argélia com 34 000 soldados mas não conseguiu manter a colónia no século XX com 600 000. Finalmente, cresce nas democracias uma ética antimilitarista, com menos efeitos nos EUA do que noutras potências, segundo concede.
Infelizmente os factos, que não ignora nem omite, vão demonstrando que a deterioração da paz, mesmo apoiada na lógica e na argumentação da poupança, não só mantém o grave resultado condenado pelos discursos dos projetistas da paz que deixaram tantas palavras de esperança, como não impediu que o complexo militar industrial tenha inspirado o desânimo de Eisenhower no seu discurso do adeus.
É evidente que existem outros meios de conseguir a hegemonia, quando o acordo falhe, designadamente a dependência financeira e económica, mas basta ter lembrança das intervenções em curso, para além dos variados conflitos armados locais que já tendem todos para internacionais, para aceitar a evidência de que é a guerra o que está é em mudança, falando-se na "guerra de quarta geração", e que a dispensabilidade das Forças Armadas é negada pela evidência de que a distinção entre civis e militares "pode vir a desaparecer".
A novidade inquietante é que as guerras transnacionais ultrapassam as antigas guerras entre Estados, e a segurança torna-se um desafio mais complexo.
Propor uma estratégia inteligente da parte dos EUA é uma regra já válida anteriormente à indefinida mudança para a chamada quarta geração. O urgente parece ser definir uma política inteligente para que o "interesse nacional permanente" não implique abandonar a paz.

Fonte: Diário de Noticias

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