domingo, 23 de setembro de 2012
Uma desistência grave - Por Adriano Moreira
A renúncia de Kofi Annan na diligência arbitral que assumiu no sentido de conseguir pelo menos tréguas no criminoso conflito da Síria parece dever advertir a comunidade internacional não apenas da grave intensidade do combate civil, mas também da crise anunciada do poder-dever de intervenção, e dos seus modelos.
A avaliação do aviso não afeta, antes enriquece, a atitude moral do intermediário frustrado, que não cuidou de qualquer erosão do seu prestígio ao assumir o risco-dever de tentativa, bem inscrita no seu passado de obreiro dos métodos de manutenção da paz.
Do que realmente se trata é da segurança e defesa a nível mundial, e da questão do saber se, designadamente pela dimensão da crise financeira dos Estados, o poder-dever de intervenção está a caminhar para a suspensão, agravando a verdadeira anarquia internacional em que já se vive, em vista da ignorância das identidades dos centros que governam a ganância dos poderes financeiros internacionais, e da gestão da casualidade dos conflitos armados por complexos militares-industriais que excedem a capacidade reguladora dos poderes políticos legalmente em exercício.
É lamentável, mas não pode ser omitido, que o fim, considerado auspicioso, da guerra fria tenha dado lugar a um novo período que já foi chamado (Etienne Durand) "época das intervenções". Uma época que se iniciou marcada pela autoridade assumida pela ONU no sentido de presidir à intervenção militar na defesa dos valores democráticos da Carta e exigindo recursos então disponíveis. Uma circunstância que talvez tenha contribuído para a ilusão de que a supremacia ocidental não tinha sido afetada pela guerra mundial de 1939-1945, e portanto fortalecendo até o sólido poder diretivo dos EUA.
Todas as análises admitem que, durante tal período, a superioridade técnica dessas redes políticas ocidentais podia taticamente antecipar os conflitos e estrategicamente reduzir à obediência da ordem os infratores. Não foi o que aconteceu, porque também neste domínio o consequencialismo ultrapassou frequentemente as hipóteses previsíveis, e o poder do fraco contra o forte manifestou capacidades eficazes e desanimadoras, designadamente aperfeiçoando o recurso à guerrilha e, sobretudo, ao terrorismo.
Os exemplos sempre citados do Iraque e do Afeganistão levaram a valorizar a experiência da limitada eficácia da metodologia da intervenção armada, com o tempo a alongar-se em proporção superior à míngua crescente da esperança de concluir com honra e resultados o exercício do invocado poder-dever de intervenção. Aqui, o fator da crise financeira e económica globalizada tem uma presença desgastante evidente, fazendo com que a fadiga cívica causada pelo sacrifício assumido seja agravada pela fadiga da tributação exigida em custos humanos e materiais pelas responsabilidades assumidas pelos interventores.
Que os movimentos de protesto e de censura se manifestem não é uma consequência surpreendente, a qual não apenas afeta a confiança nos responsáveis políticos pelo exercício, como encaminha os decisores para uma atitude e prática da política de precaução em relação ao futuro. E neste futuro cresce a determinação de neutralidade perante os conflitos, por muito que a rede em que se articulam todas as interdependências mundiais não permita evitar os efeitos colaterais.
A evolução da política externa americana, sobretudo na época coincidente com o teste das eleições presidenciais, vai exigir atenta observação da comunidade internacional, para verificar se também neste domínio se desenha um regresso ao predomínio da política interna sobre a externa, tal como acontece, em plano diferente, na crise europeia em curso.
Acrescendo que a debilidade da potência líder da aliança que permanece não reforça o sentido de comunidade na Europa. Tudo com previsões débeis numa data em que a realidade em curso é mais conhecida pelos efeitos colaterais do que por anunciadas e aprovadas políticas públicas.
Fonte: Diário de Noticias
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