quarta-feira, 4 de julho de 2012

"O princípio da precaução" por Adriano Moreira


O século passado despertou a consciência dos responsáveis políticos para o facto de que os avanços científicos e técnicos, sem precedente histórico, podiam produzir, por um consequencialismo sem previsão, transformações irreversíveis.
A ecologia foi ganhando contornos académicos e peso na decisão política, sem descurar a manutenção possível do nível de vida conseguido. Desta situação nasceu, segundo a datação de J. Kerasdoué, o princípio de precaução, designadamente adotado pelos países ribeirinhos do mar do Norte, no sentido de evitar a poluição.
Este princípio foi invadindo a própria vida civil e concentrando a atenção dos juristas e dos tribunais. Mas o caso tem crescente importância na vida internacional, quer no domínio da escassez de recursos partilháveis, quer na área da paz e segurança, quer agora no domínio da segurança financeira e económica dos países menos favorecidos pela capacidade de vigilância e resposta, se é que algum tem essas capacidades suficientemente desenvolvidas.
É evidente, como sublinhou Steiner (2008), que o princípio da precaução tem na base o orgulho da capacidade de prever, quando o seu aviso é deste teor: "Enganamo-nos sempre ... nos seis meses que precederam o 25 de Junho de 1950, a palavra 'Coreia' não apareceu uma só vez antes da ofensiva norte-coreana. Quarenta e oito horas antes da queda do Muro de Berlim, ninguém a invocou. É necessário reservar alguma ironia para si próprio. Enganamo-nos a um ponto que não conseguimos medir."
Em todo o caso, admitindo a validade da advertência aos que cultivam a prospetiva, avaliar os factos consumados é sempre um aviso para a responsabilidade de intervir, na esperança de que o consequencialismo corra pelo melhor.
Lembremos que George Bush, quando invadiu o Iraque, invocou o princípio da precaução, afirmando que esperar mais tempo seria consentir em que uma ameaça irresponsável se concretizasse. A evolução não confirmou a inteligência do julgamento, mas também ninguém esperava pela qualidade dessa opinião.
Nas circunstâncias atuais de crises económicas e financeiras, e em que começa a discutir-se mesmo se a invenção Estado soberano é em todas as hipóteses o mais eficaz instrumento de governação, talvez os juízos pessimistas sobre o princípio da precaução não devam afetar a avaliação dos factos e sobretudo os riscos de a intervenção do princípio falhar. Deste se tem dito que é "um princípio modesto, mas arrogante, postulando conseguir a verdade do Bem absoluto por irradicação do mal".
Pelo contrário, todos devem estar sempre preparados para que apareça um cisne negro a impedir a convicção de que todos os cisnes são brancos. Todavia, a incapacidade demonstrada no sentido de ter sido impedida a crise económica e financeira mundial, não obstante o prestigio dos cientistas que geriram o sistema e agora parecem ter como objetivo reconstrui-lo, afirmando o globalismo mas repartindo por sectores os espaços que tomam em consideração, talvez seja indicado o risco de recorrer ao princípio de precaução e ativar as organizações que foram criadas para lidar com o globalismo e que têm sido mantidas afastadas por centros de decisão que não são consagrados por qualquer tratado, como o G20, ou que são mesmo totalmente desconhecidos das populações que sofrem as consequências do desastre que alastra.
Um desastre que, em vista da transformação das preocupações orçamentais na principal inquietação dos Estados em evolução para exíguos, transformam os cidadãos em parecidos "escravos de ganho", de que falou algures Gilberto Freire, que passam, quando com emprego remunerado, metade do ano a trabalhar para entregar o salário ao Estado, que foi um péssimo gestor do património de todos.
É evidente que as consequências obrigam a cumprir os compromissos assumidos, na esperança de conseguir, não mais ou menos Estado, mas Estado suficiente e competente.
Entretanto, o princípio da precaução continua a aconselhar, com os riscos conhecidos, a não esquecer que, para o globalismo, a ONU tem instrumentos de intervenção que foram imaginados pelos fundadores e esquecidos. O que vai enfraquecendo a organização.

Fonte: Diário de Noticias

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