Neste período de férias estamos mais disponíveis para reflectir sobre o que se passa à nossa volta e até para procurar reinterpretar os factos históricos ocorridos à luz dos recentes desenvolvimentos que a crise financeira que assola a Europa tem vindo a revelar.
Se bem nos lembramos após a queda do Muro de Berlim, na década de noventa deu-se início ao processo e à reunificação da Alemanha.
Na altura teriam sido condições para a viabilização daquele processo o abandono da moeda alemã e a aceitação do euro como moeda única.
Por seu turno, a Alemanha fez questão de impor as regras do Tratado de Maastricht, o pacto de estabilidade e a independência do BCE de modo a garantir que o valor do euro correspondesse ao valor do marco.
Não podemos deixar de referir que no final da década de noventa a Alemanha, ainda que dispondo de um vasto conjunto de ajudas e de apoios da União, era uma economia frágil que por isso não cumpria as regras mínimas que ela própria havia imposto.
Ou seja, parece ser possível afirmar que o pressuposto da adopção e da circulação do euro teria sido a necessidade sentida pela Alemanha de realizar a reunificação territorial e política dos seus territórios.
Como referiu recentemente Fisher, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Schrodder: "A Alemanha destruiu-se a si e à ordem europeia, duas vezes no século XX e depois convenceu o Ocidente de que tinha tirado as conclusões correctas. Só desta maneira - reflectida de forma clara na sua adesão ao projecto europeu - conseguiu o consentimento para a sua reunificação..."
Sabemos também que a Alemanha, após este período difícil da sua história, beneficiou de um outro conjunto de factores de ordem externa, como seja o declínio e a falência da União Soviética, o desinvestimento dos Estados Unidos no Ocidente e o enfraquecimento económico da França, que lhe permitiu crescer e impor-se aos restantes parceiros comunitários.
Parece ser, hoje, uma realidade que a Alemanha é mais poderosa do que nunca dentro da União e teria emergido da própria crise do euro como líder da Europa.
É neste contexto que alguns dos mais importantes pensadores conservadores sustentam que a Alemanha está a usar a crise financeira para conquistar a Europa.
Fala-se e escreve-se que estamos à beira da ascensão do Quarto Reich, pergunta-se a razão pela qual os europeus gostam de "odiar" a Senhora Merkel e afiança-se que ao contrário dos fundadores da Europa, a chanceler coloca o interesse alemão no cerne da sua própria política europeia.
Andrew Roberts, historiador britânico, chega a retratar o futuro da Europa como uma colónia da Alemanha, a que apenas os britânicos resistem.
Não tenho esta visão, mas não posso deixar de reflectir sobre alguns factos históricos, designadamente o que acima refiro relacionado com a conexão evidente entre a reunificação e a entrada em vigor do euro que, segundo reza a história, teria sido realizada contra a maioria da população alemã.
Não posso também deixar de constatar que a Alemanha precisa da Europa como mercado privilegiado para as suas exportações e do euro como instrumento fundamental de paridade com a sua "moeda".
Claro que estes elementos podem ser a garantia de que apesar do seu poder, que é uma realidade actual na União, a Alemanha continua a estar bem longe de ser uma potência hegemónica. A história assim nos ensina!
Mas, retomando Fisher, seria "... ao mesmo tempo trágico e irónico que uma Alemanha reunificada e restaurada por meios pacíficos e com as melhores intenções trouxesse a ruína da ordem económica europeia pela terceira vez".
Pela minha parte, e como já tive oportunidade, em anteriores escritos, de sustentar, foram cometidos "erros" ao longo do processo de construção e integração europeia que só podem ser ultrapassados, no momento presente, com maior integração económica, financeira e orçamental.
Não vale a pena "tapar o sol com a peneira". É preciso audácia, coragem e firmeza! O poder alemão, a reunificação, o povo e as instituições alemãs não podem continuar a ser "o entrave" ao aprofundamento da Europa tal como foi concebida pelos seus pais fundadores.
Fonte: Diário de Noticias